sábado, 16 de dezembro de 2006

O que eu ouvi em 2006

2006 foi um ano imensamente prazeroso musicalmente. Por isso, hoje eu resolvi fazer um apanhado do que foi bom e do que foi terrível, na minha opinião, durante este fantástico ano que agora nos deixa. Vai ser um tijolaço, isso eu posso adiantar. Portanto, sentem-se que lá vem história. Claro que só eu acesso essa v*****, portanto, fodam-se.
Joanna Newsom: para uns, a possível cria de uma ninhada entre a Björk e o satanás, treinada vocalmente pela orquestra dos gatos torturados e apadrinhada por Janis Joplin e um arranhão no fundo da panela com um garfo, batizada sob os sons de unhas no quadro negro. Para outros, uma elfa com uma harpa. Dependendo da categoria em que você decida se enquadrar, ouvir Joanna Newsom pode ser a melhor experiência auditiva da sua vida ou a coisa mais tenebrosa que já atingiu o seu sistema auditivo desde o retorno de Dinho Ouro Preto. Mas eu não quero me estender muito aqui falando sobre ela. Tenho a dizer que The Milk-Eyed Mender é uma das coisas mais perturbadoramente brilhantes que eu ouvi neste ano e que Ys (um post específico para esta obra vem a seguir), lançado no mês passado, é definitivamente o CD do ano. Não só do ano, mas talvez de vários anos. É de explodir a mente. Dêem um jeito de ouvir. Mas nem só de Joanna Newsom vive o homem. Devendra Banhart é da mesma família musical. Talvez um primo distante e caipira de Joanna. O som que ele faz é infinitamente mais acessível que o dela, mas os dois se unem em espírito no movimento, muito infelizmente cunhado de freak-folk. Foi ele o “responsável” pelo feliz retorno de Vashti Bunyan aos palcos e aos estúdios. Por falar em Vashti Bunyan, não deixem de conferir Just Another Diamond Day (o CD que ela gravou no final da década de 60, mas que só agora está recebendo a devida atenção) e Lookaftering, seu igualmente fantástico CD lançado no ano passado (Joanna Newsom toca harpa em uma das faixas, Denvedra toca violão). De volta a Devendra, ouçam Niño Rojo, se possível. Foi o único CD dele lançado no Brasil. Belíssimas composições e letras que transmitem uma visão infantil, inocente, mas ao mesmo tempo madura e esclarecida do mundo. Rejoicing in the Hands e Cripple Crow estão à altura e merecem atenção. Outra banda muito legal que eu acabei descobrindo só neste ano foi o The Fiery Furnaces, na verdade uma dupla de irmãos (mais uma, eu sei, eu sei). O som que eles fazem não dá pra generificar, mas é uma mistura de blues, opera-rock, pop chiclete, eletrônica, e rock lo-fi, tudo isto banhado a muito Pro Tools e vocais meia-boca competentes. Blueberry Boat é uma experiência interessante, detestada e cultuada por muitos em proporções iguais. Bitter Tea, lançado neste ano, não foi adquirido por este ouvinte (ainda), e EP (recentemente adquirido) vale bastante a pena também. Da minha viagem à Buenos Aires neste ano eu acabei trazendo algumas pérolas (outras nem tanto). Juana Molina (por coincidência, Argentina de origem) é uma delas. Seu último CD, Son, possui uma beleza e simplicidade de composição de encher os ouvidos. Juana é mais uma banda-de-uma-mulher-só, uma Imogen Heap ou Camille da vida, e seu som pode ser definido como um folk eletrônico sussurrado, com partes iguais de ambiência e de cantoria. Nota mental: da próxima vez que pisar em Buenos Aires, procurar os outros dois CDs da moça. De lá veio também um pouco de Yeah Yeah Yeahs, cujo brutalidade do primeiro CD beirava a loucura, e David Bowie, que só agora, uns trinta e poucos anos atrasado, eu fui conhecer melhor (nunca é tarde!). Dos nossos amigos com incrível mau gosto para escolha do nome da banda eu comprei Show Your Bones, lançado neste ano. Menos gritado e mais calmo, foi uma surpresa boa escutar Gold Lion e descobrir que a sua melodia pegajosa já estava instalada em meu inconsciente musical há algum tempo. De Bowie (o certo é bôi ou bovái, questionaria-se a minha querida mãe) eu trouxe Hunky Dory (Changes, Life on Mars?, Quicksand) e o inegável clássico Ziggy Stardust (Five Years, Rock’n’Roll Suicide e Starman, cuja versão do Nenhum de Nós [Astronauta de Mármore] acabou se tornando mais famosa aqui por estas bandas do que a original). A voz do cara é do tipo ame ou odeie (confesso que fico no meio-termo), assim como as de Bob Dylan, Antony, Joanna Newsom e Wayne Coyne (ugh!), mas pra mim o que vale mesmo é a música, e tem muita coisa boa nestes dois discos preciosos, que com certeza eu ainda não ouvi tanto quanto merecem. Neutral Milk Hotel dispensa introduções (basta dizer que eu batizei este blog em homenagem a eles). Com certeza um dos CDs mais brutais e sinceros que eu já ouvi. Tudo bem que não foi lançado em 2006 (foi em 1998), mas eu descobri neste ano e agora ninguém mais tira de mim. Cat Power também já teve seu saco puxado, e seu último, The Greatest, chegou em janeiro já garantindo lugar na lista dos melhores do ano. M. Ward lançou um dos mais aclamados álbuns do ano (por ambos crítica e público), Post-War. A primeira música é bacana demais. Embora a sua Jack Johnson-sice as vezes me atrapalhe um pouco, é um grande álbum de belas composições. Danielson (sim, existe uma banda com este nome) lançou o seu Ships lá por meados de maio, e o CD todo é muito cheio de bizarrices e melodias inspiradas, que lembram muito Sufjan Stevens em seus melhores dias de animador de parque de diversões. Two Sitting Ducks é uma das músicas mais legais do ano. Califone e Grizzly Bear lançaram duas grandes pequenas obras-primas agora no finalzinho do ano, e ambos requerem repetidas e atentas audições. Os dois entram na lista também. Direto da terra-natal do Franz Ferdinand, Mogwai e Belle and Sebastian, chegam os escoceses do Camera Obscura, com seu terceiro disco (Let's Get Out of this Country), que parece ter vindo direto da década de 60. Neste ano eu ouvi tantas coisas diferentes que se eu fosse contar tudo aqui daria um livro muito chato e pessoal demais, por isso eu cito a seguir alguns nomes conhecidos e outros nem tanto que eu curti muito em 2006: Amadou & Mariam, The Clash, The Mars Volta, The Velvet Underground, The Shins, Portishead, TV on the Radio, Captain Beefheart, Circulatory System, Pink Floyd, Jethro Tull, Islands, Clap Your Hand Say Yeah!, Wolf Parade, Feist, Herbert, Damien Jurado, Interpol, Jeff Buckley, Mirah, Pedro the Lion, The Unicorns, Art Brut, Yo La Tengo.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

My humps, my humps, my humps, my humps, my lovely lady lumps. Check it out!

Quando eu era pequeno, a minha avó cortava a carne, mastigava bem mastigado, e de alguma forma (que Deus me permita nunca lembrar) colocava aquela gororoba pré-digerida direto na minha boca, sem questionamentos. Claro que, se alguém tivesse contado para a vigilância sanitária, hoje eu estaria escondendo maços de cigarro no ânus e visitando minha querida vovozinha no xadrez. Mas não foi assim que aconteceu, e isto continuou até alguma fase mais avançada onde meus dentes começaram a crescer (com a graça do nosso bom Deus) e se fortificar. Dispensável dizer que desenvolvi alguns traumas alimentícios por causa de todos os danos sofridos durante aquela época.
Fast-forward para os dias de hoje, eu já consigo me alimentar através da utilização de um garfo e de uma faca, mastigando cada um dos alimentos que o nosso Senhor colocou sobre a face desta terra (com os meus próprios dentes). Mas basta de histórias de velhinhas cruéis e traumas infantis. O que eu queria mesmo era fazer uma introdução para o assunto do consumo de cultura, meu povo. Dá pra acreditar?
Acontece que aquilo que a minha querida vovozinha fazia naquela época é assustadoramente parecido com o que a indústria cultural vem fazendo já há algum tempo. As pessoas perderam a capacidade de digerir por conta própria as músicas que ouvem, os filmes que assistem, os livros que lêem. Claro que isso, vindo de um pobre infeliz que ouvia Spice Girls e (Deus seja louvado) Britney Spears há uma quantidade não significativa de anos, pode parecer insanidade mental, mas ouçam bem.
Às vezes eu estou no carro (é sempre no carro!) e tenho que ouvir comentários que nenhum ser humano merecedor da vida que leva deveria ouvir. Se a música que toca no rádio não tem seu respectivo videoclipe no Disk MTV é um tal de “troca de rádio, pelo amor de Deus” pra cá e “que musiquinha ruim essa, hein Dani?” (porque a culpa é sempre minha) pra lá. Se eu tento introduzir novas alternativas de músicas de verdade, é uma avalanche de “bom esse teu CD, hein Dani?” além de imitações muito próximas da realidade por parte de minha querida irmã, que tem uma incrível versatilidade vocal que vai desde Joanna Newsom até David Bowie, passando por Björk e Sigur Rós. No cinema acontece coisa parecida. Se o filme recebeu treze quinquilhões de estrelas na Veja, então pode ter certeza que a sala de cinema estará lotada, e o filme vai ser bom mesmo. Não importa que os editores da revista tenham recebido uma estadia gratuita de uma semana nas ilhas Phi Phi ou mesmo que o elenco tenha sido emprestado de uma casa de prostituição infantil em Bangladesh. A literatura morre um pouco a cada dia, também. Se o livro do Paulo Coelho está em primeiro lugar na lista da Folha de São Paulo, deve ser um prazer inigualável de se ler e reler, mesmo que a pessoa precise passar por uma lobotomia para chegar até o final. Claro que eu nunca li nenhum livro dele, e só uso este exemplo por achar extremamente engraçado, de alguma forma.
Não estou aqui pra dar lição de moral em ninguém, porque do jeito que a mídia anda, é um tanto quanto difícil se ver livre de suas amarras. A diferença é que eu tento, enquanto muita gente (mesmo!) abaixa as calças, ajoelha e, pior de tudo, goza.