quinta-feira, 3 de julho de 2008

Trauma de infância (com moral no final)

Quando eu era pequeno, o meu avô não deixava a gente puxar a descarga depois da meia-noite. Não importava o tamanho do estrago feito dentro da privada, o sono dos vizinhos não podia ser perturbado sob circunstância alguma. Ah, e nós não podíamos assistir à televisão com som também, senão ele podia acordar a qualquer momento de mais um monólogo noturno e começar a berrar palavrões muito adequados para crianças lá da sala onde ele dormia com a minha avó. Isso quando não partia pra agressão física. Pela manhã, os dejetos de uma noite inteira de silêncio no quarto de banho se amontoavam até as bordas do vaso sanitário, e, se eu não me engano, ele mesmo ia lá, orgulhoso, e mandava-os embora.

Eu tinha lá os meus 10, 12 anos e não percebia naquela época que o meu avô era uma espécie de precursor do movimento ambientalista; que, por trás de todo aquele mijo e eventuais fezes acumulados, encontrava-se um honrado guardião dos recursos naturais do nosso planeta, disfarçado de velho rabugento e brocha com espírito de porco preto. Outro dia mesmo eu assistia ao programa ‘Um Lar de Desperdício’, comandado pela irmã mais jeitosinha da Free Willy (ver foto abaixo), no GNT, e ela falava sobre como na casa dela a regra era a seguinte: se estiver amarelo, deixe assim; se estiver marrom, mande embora. Quer dizer, meu avô estava anos-luz à frente do seu tempo, já que não importava a cor da bosta toda, a gente tinha que deixar como estava, economizando milhares de litros de água por ano e, o mais gratificante de tudo: sem acordar a vizinhança.


Traumas infantis à parte, sempre que falta água aqui no bairro hoje em dia eu lembro daquela época cheia de surpresas, umas mais amarelas, outras com tendências amarronzadas, e penso: as pessoas não dão valor nenhum à água. Na última vez que o abastecimento foi suspenso por aqui, eu fui obrigado a encher a caixa do vaso pra mandar embora algo de que eu não me orgulho muito, e fiquei surpreso ao verificar a quantidade de água que vai embora a cada vez que eu aperto aquele maldito botão. Foi chocante demais para uma pessoa que não demora mais do que cinco minutos no banho, que escova os dentes assistindo televisão bem longe da torneira (fechada) e que fulmina empregadas domésticas e zeladores que usam mangueira pra varrer a calçada.

Que o mundo está acabando não é novidade nenhuma pra ninguém, além de ser um grande, grosso e doloroso clichê do nosso tempo. Mas as pessoas foram cegadas a tal ponto pelo capitalismo selvagem (clichê número dois) que chegou a hora da natureza se virar contra os humanos. Pensem em algo como o filme ‘Fim dos Tempos’, só que com diálogos convincentes e atuações boas. E sem árvores vingativas. E sem o Mark Wahlberg. Pode soar meio Sharon Stone bêbada em Cannes, mas é o karma, pessoal. Estamos entrando na era do terremoto como contenção de despesas, do tsunami como eliminação de excesso de contingente, e por aí vai. É triste, mas é verdade. É muito carro, é muita gente, é muito lixo. Não tem mais espaço. Simplesmente não tem onde caber 6 bilhões, 8 bilhões de anormais, cada uma com um carro. Graças à tecnologia e à evolução da espécie, a tendência é que as pessoas comecem a viver até os 150 anos daqui a muito pouco tempo, e eu não sei se quero estar aqui pra ver essa putaria geriátrica tomar forma.

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