segunda-feira, 6 de abril de 2009

O Favorito

Assim como é o caso de milhares de outras crianças crescidas que habitam este planeta, a minha concepção não foi planejada. Nasci do sarro, embora tenha sido recebido de braços e pernas abertas em um parto cheio de momentos excitantes, que culminou em uma nota 9 na escala Apgar (em outras palavras, eu saí da vagina roxo feito uma berinjela). O que me consolou durante esses 22 anos foi o fato de eu ter sido - por pelo menos um mísero período de tempo - uma criança digna de capa da Revista Pais e Filhos: cabelos encaracolados, olhos amendoados, bochechas rosadas talhadas à perfeição e um sorriso angelical arrebatador. Nada poderia ter me preparado, entretanto, para a Idade das Trevas da minha existência, mais especificamente a elipse de tempo compreendida entre os meus 10 e 19 anos.

Todos os traços que poderiam levar a humanidade a crer que eu me tornaria um ser humano esteticamente harmonioso (não-feio) me foram tomados de volta por Deus em um golpe de misericórdia às avessas, cujos efeitos desastrosos retumbam até os dias de hoje em minha falha memória. Meu nariz resolveu alçar vôos maiores no meio da minha cara; a dieta hiper-calórica da minha vó (amo ela) me tornou um dos primeiros casos palpáveis de obesidade mórbida infantil no Hemisfério Sul; meu queixo, envergonhado com a situação toda, fugiu de casa sem dar explicações.

Quando chegávamos em algum ambiente familiar (ou não), o comentário geral dirigido aos meu pais era "que linda que tá a filha de vocês" (no caso, a minha querida irmã que eu amo muito), seguido por um olhar de lástima incontrolável em direção à minha infantil pessoa e por um silêncio constrangedor para todos os envolvidos. No colégio, ouvi em silêncio comentários do tipo "tu é feio assim mesmo ou tá usando máscara?", fatais para uma criança ex-bonita. Assim que chegava a hora de formar os times na educação física, não era preciso ser filho da Mãe Dinah para adivinhar quem era a massa amorfa que ficava desenvolvendo teia-de-aranha contra a parede (incluindo-se aí outros motivos, obviamente). Foi mais ou menos por essa época que a minha auto-estima, já quase inexistente, criou pernas e braços e sufocou até a morte.

No final da adolescência, após as milagrosas intervenções cirúrgicas do Dr. Hollywood, tentei de todas as formas dar a volta por cima e reivindicar o que era meu por direito, já que agora eu poderia ser considerado uma pessoa menos-feia ou quase-bonita. Eis que me deparo, então, com uma nova modalidade de frustração pessoal: o fracasso profissional em processo seletivos. Em outras palavras, eu nunca fui selecionado para nada nessa vida. Não importa quanto eu tente, todo mundo acha que a minha timidez e imbecilidade são sinônimos de acefalia congênita e, portanto, que sou "muito qualificado, porém você não preenche os requisitos necessários para o cargo. Continue tentando e boa sorte na próxima". O jeito é abrir o meu próprio negócio (não, isso não significa que eu cogito a possibilidade de me tornar um profissional do sexo) para que eu mesmo possa me selecionar e me tornar o profissional que eu acredito que posso ser. Porque de baixa auto-estima já bastam os 22 anos que se passaram desde aquela concepção não-planejada.

2 comentários:

disse...

Adoro tudo o que vc escreve, de verdade, e torço pra que essa nuvem passe logo... porque potencial é o que não falta em vc, acredite.

Anônimo disse...

oi caríssimo...
gostaria de dizer q tbm me encontro numa situação de baixa (praticamente zerada) auto-estima profissional... NINGUÉM, NENHUMA EMPRESA quer pessoas do meu perfil... aí me pergunto: que perfil q eles querem?? acredito que chineses.. mão de obra escrava, salários miseráveis e todo mundo com a mesma cara pra facilitar a vida do chefe...
bem... boa sorte pra ti!! de verdade!!